quinta-feira, 2 de abril de 2009

"O GOVERNO INCENTIVA ILEGALIDADE NO SETOR MADEIREIRO

Apenas 20% das 3.000 madeireiras que atuam na Amazônia respeitam as leis ambientais e trabalhistas do país. Dessas, só quinze, o equivalente a 0,5% do total, exercem sua atividade com padrão de excelência que preenche todos os requisitos internacionais de preservação ambiental. Não cortam árvores raras ou jovens e respeitam um intervalo de 25 anos para explorar uma mesma área – medida que permite a regeneração da floresta. Seus empregados dispõem de bons alojamentos, comida e escola para os filhos. Por seguirem esses princípios, receberam o certificado Forest Stewardship Council (FSC), um tipo de ISO 9000 das madeireiras que é conhecido como selo verde. São empresas que deveriam ter atenção especial do governo. Deveriam. Mas elas são as madeireiras mais penalizadas por ele.

Na semana passada, uma das quinze serrarias que tinham o selo verde, a fábrica de compensados Gethal Amazonas, fechou as portas. Motivo? O Ibama protelou a concessão de novas autorizações para que ela extraísse madeira da floresta Amazônica. "Assumimos que as autorizações sairão tarde demais", admite Antonio Carlos Hummel, diretor de florestas do Ibama. Como usa padrão internacional de exploração, a Gethal não derrubou árvores ilegalmente. Sobreviveu até outubro vendendo estoques. Quando eles acabaram, demitiu seus 720 funcionários e saiu do ramo. "Quisemos dar bom exemplo, mas o governo nos tratou como se operássemos na ilegalidade", diz Carlos Alberto Guerreiro, o principal executivo da empresa.

Ao que tudo indica, a companhia não quebrou por ineficiência. Mesmo seguindo as regras do selo verde, ela vinha conseguindo competir com as madeireiras chinesas, que há cinco anos dominam o mercado mundial. Ela se mantinha mesmo operando com margens de lucro muito baixas. O caso da Gethal não é exceção. Neste ano, o Ibama também não concedeu nenhuma autorização para outras sete serrarias detentoras do selo verde, que, juntas, respondem por 90% da produção de madeira certificada da Amazônia. A situação tende a se agravar em 2006. Depois que a Gethal quebrou, o Ibama prometeu desengavetar as autorizações. Mesmo que o órgão cumpra a promessa imediatamente, as madeireiras só terão um mês para retirar da floresta toda a matéria-prima de que precisam. Isso porque o corte é permitido apenas durante a seca, que acaba em dezembro. Pelo menos outras duas empresas estão em situação semelhante à da Gethal. A multinacional Precious Woods deve suspender as atividades nesta semana, quando seus estoques terminam. Desde o ano passado, a produção da Cikel, uma das maiores madeireiras do país, caiu pela metade. Quatrocentos de seus 1 300 empregados foram demitidos. Como a companhia não acumulou madeira suficiente para sobreviver em 2006, as demissões devem continuar. Outras empresas desistiram de esperar pelo Ibama. A Orsa Florestal, por exemplo, conseguiu na Justiça uma liminar que lhe garante o corte legal de madeira. Assim, explora a maior área de manejo sustentado da Amazônia graças a uma medida judicial.

O Ibama acredita que preserva a floresta quando protela a concessão de autorizações. Mas faz o oposto. Ao impedir que empresas sérias prosperem, o órgão abre espaço para devastadores. Hoje, 2 400 madeireiras cometem atrocidades na floresta. Desmatam, derrubam espécies ameaçadas e usam métodos que destroem, pelo menos, metade da vegetação da área onde atuam. Só estão em operação porque o Ibama não tem fiscais suficientes. "Neutralizar o madeireiro que cumpre a lei é uma maneira de favorecer o mercado ilegal, que está cada vez mais aquecido", diz José Natalino Silva, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), outro órgão do governo. O incentivo à ilegalidade produziu estímulos negativos até na população ribeirinha, que aderiu ao comércio ilegal de madeira. Ela avança sobre a floresta sem autorização porque sabe que o governo é incapaz de puni-la. Afirma Claudia Azevedo-Ramos, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam): "O governo os ensina a sobreviver na ilegalidade".
FONTE : REVISTA VEJA, 07 de novembro de 2005

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